Rio Acima - A PM não pode ter medo do funk

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Não sou funkeiro. Acho legais algumas batidas desse gênero musical, mas nunca fui a um baile, nem nas favelas, nem nas boates sofisticadas que aderiram ao modismo. As letras em geral são pobres em criatividade. A maioria só fala em sexo, às vezes de forma pervertida. Mencionam também a violência policial e, no caso dos chamados proibidões, exaltam quadrilhas e consumo de drogas. Ou seja, o genuíno funk carioca mostra como está a cabeça da juventude das nossas comunidades: um lixo, salvo honrosas exceções, como o rapper MV Bill. Aliás, a cabeça da galera dos condomínios de luxo também não está lá essas coisas...

Não tenho a pretensão aqui de analisar o caldo de cultura que resultou nessa veia poética indigente do funk das favelas. Miséria, truculência familiar em casa (e de policiais e bandidos nas vielas), sexualidade precoce, falta de educação, decepção com a impunidade da elite, enfim... Razões não faltam para que a maioria dos jovens que vivem nas comunidades se identifique com mensagens apocalípticas e autodestrutivas, sejam elas em que ritmo for. O funk é o som dessa senzala abandonada por tantas décadas. Concertos para oboé e fagote é que não poderiam ser.

É verdade também que os traficantes, aproveitando o magnetismo do ritmo, chamado merecidamente de pancadão, usam os bailes para promover as substâncias ilícitas que comercializam. E que incentivam os letristas – muitos deles até criativos – a exaltarem a criminalidade.

Tudo bem, essa foi a realidade do funk nas favelas do Dona Marta, do Chapéu Mangueira e da Cidade de Deus até recentemente. Ainda é assim nas outras comunidades do Rio, mas não mais nessas três. O motivo é o novo policiamento comunitário permanente. Com a entrada da PM – acompanhada pelas obras do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) – os traficantes que não foram presos ou mortos fugiram. E o funk acabou proibido, sob a justificativa de que é uma herança maldita do domínio da marginalidade. Como o samba no início do século 20, coisa de bandido.

No Dona Marta, ocupado pela PM desde novembro de 2008, inicialmente até o pagode foi proscrito. Com o passar dos meses, acabou liberado, assim como o forró. Mas o funk, não. Quando estive lá, no início deste ano, vários jovens reclamaram da censura a um ritmo que faz parte de sua cultura.

– Eles proíbem o funk, mas existem muitas letras que não falam em depravação sexual nem exaltam o crime – me disse um dos rapazes que lá vivem.

Ao contrário dos moradores mais velhos, os adolescentes continuam se sentindo oprimidos no Dona Marta, apesar de toda a boa vontade da capitã Priscila, que comanda o contingente de mais de 100 policiais "pacificadores".

Uma pesquisa divulgada na semana passada pela Fundação Getúlio Vargas e feita com moradores do Dona Marta e da Cidade de Deus, constatou que a aprovação da presença policial está em torno de 60%. A lei da selva dos traficantes, que aterrorizava e colocava a vida de todos em risco, foi extinta. Reina a paz, mas então por que a aprovação não é de 100%?

Eu respondo: porque a PM ainda não achou a medida exata entre o seu espaço e o dos moradores. Uma coisa é dar segurança, outra é invadir a privacidade, tornar a vida cotidiana uma tensão permanente.

Me arrisco a dizer que, paralelamente aos investimentos sociais em saúde, saneamento e educação, cabe à PM começar a flexibilizar seus conceitos para que os jovens do Dona Marta – e das outras comunidades ocupadas – voltem a sentir-se em casa.

Continue Lendo: Jornal do Brasil

Créditos Texto: Marcelo Migliaccio


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