O batidão de volta ao Santa Marta

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Foi uma festa bonita. Nada menos que 500 pessoas, muitas crianças, curtiram em paz a Roda de Funk no Santa Marta, favela da zona sul carioca, no domingo, 26 de julho. E foi também uma festa importante pelo simbolismo, já que a polícia militar havia proibido, arbitrariamente, qualquer manifestação político cultural desde que ocupou o morro, em fins do ano passado. A corporação recuou após a mudança no comando do 2º Batalhão de Polícia, responsável pela região, e também pela persistência dos funkeiros.

Foi uma festa bonita. Nada menos que 500 pessoas, muitas crianças, curtiram em paz a Roda de Funk no Santa Marta, favela da zona sul carioca, no domingo, 26 de julho. E foi também uma festa importante pelo simbolismo, já que a polícia militar havia proibido, arbitrariamente, qualquer manifestação político cultural desde que ocupou o morro, em fins do ano passado. A corporação recuou após a mudança no comando do 2º Batalhão de Polícia, responsável pela região, e também pela persistência dos funkeiros.

Por isso, o dia 26 de julho vai ficar marcado na história da favela – e do funk. O cenário é a Praça do Cantão, no pé esquerdo do morro. Cercada por escadas e bares por todos os lados, ali também estão o salão do Cícero (unissex), a casa de costura da Rose e, no lado oposto à subida principal, o “pastel feito na hora”, que divide espaço na parede de uma casa com o anúncio do “bolo de chocolate”.

Entre os funkeiros que vieram para a roda, chamam a atenção os que vestem as camisas com inscrições que resgatam o chamado funk de raiz. “Eu só quero é ser feliz”, diz uma delas.

Por volta das 17h, um grupo de teatro da Maré escancarou a desigualdade social. Em seguida foi a vez da roda de denúncias, ocasião em que qualquer um podia pegar o microfone, inclusive para se manifestar contra a violência policial – que continua sem controle no Rio –, o que foi feito mesmo diante da presença dos PMs, que acompanharam de perto todo o evento.

Ninguém segura o batidão

Finalmente, com o cair da noite, o batidão se impôs. E aí não houve quem ficasse parado, fosse na praça ou nas casas ao redor. A primeira música ressaltou a força da favela e do favelado, viés que tem acompanhado as apresentações da Apafunk, a Associação de Profissionais e Amigos do Funk. Nada de xingamentos, nada de apologia ao crime. A regra aqui é a crítica sociopolítica, que busca a transformação da sociedade.

E o ápice da noite surgiu de uma adversidade. A energia elétrica caiu, mas em vez de depor o microfone, o MC da vez, trajando um lenço palestino, continuou cantando a plenos pulmões, como se o mundo inteiro pudesse ouvi-lo. Na sequencia, ainda sem energia, os MCs puxaram o “Rap da Felicidade”. Na garganta. Na raça. O que se viu foi uma catarse coletiva. Todos na praça cantaram juntos e vibraram com a letra, aumentando o volume no trecho: “O povo tem a força só precisa descobrir; se lá eles não fazem nada faremos tudo daqui”.

Alcançamos todos os nossos objetivos”, declarou um rouco MC Leonardo, presidente da Apafunk. “Unimos diversos representantes de movimentos sociais com estudantes e professores de vários setores de ensino. Além disso, informamos a todos daquela localidade o que estamos fazendo para revogar a leia que nos discrimina”, comemorou. A Lei Estadual 5.265, de julho do ano passado, praticamente inviabiliza a realização de bailes funk nas favelas.

Outro que destacou a importância da Roda foi Itamar Silva, jornalista e coordenador do Ibase que vive no Santa Marta e é considerado umas das lideranças populares mais importantes da cidade. “Num momento em que o Santa Marta é apresentado como modelo de controle social, o funk apresenta uma dimensão libertária e provoca o Estado a repensar o eixo da criminalização”.

Na mídia, a Roda não existiu

As corporações de mídia foram alvo de críticas do presidente da Apafunk. Duas semanas antes, os meios de comunicação de massa haviam responsabilizado o funk pela morte de uma moradora do Morro dos Macacos, durante uma ação do Bope. “Chegaram, fizeram umas perguntas, anotaram na caderneta e saíram de fininho. Nem publicaram o que eu falei em favor do funk e contra a Lei 5.265”, protestou MC Leonardo.

Nos dias seguintes, nada foi publicado sobre a Roda de Funk. “Pudemos mais uma vez testemunhar que a paz não interessa à grande mídia, pois foram embora quando viram que a polícia não estava nem aí pro que a gente estava fazendo”, disse o presidente da Apafunk.

MC Leonardo também denunciou mais uma distorção midiática: “Há quinze dias essa mídia publicou que nós da Apafunk iríamos entrar na Justiça para realizar bailes na favela, o que não é verdade. Além disso, não me deixou em paz perguntando o que eu iria fazer se a polícia nos proibisse de realizar Rodas de Funk”.

Apesar da retumbante omissão da mídia massiva, que mais uma vez exacerba seu descompasso com a realidade, a vitória do movimento funkeiro foi realçada pela elevada participação popular. Quando se diz que 500 pessoas estiveram presentes na Roda do Santa Marta, é bom explicar que isto corresponde a 5% da população total da favela – em termos de país, seria como mobilizar a considerável massa de 9,5 milhões de pessoas.

Créditos: Marcelo Salles, jornalista, é coordenador da Caros Amigos no Rio de Janeiro, editor do jornal Fazendo Media e integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social



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